Prefeitura de Caratinga quer comprar hidroxicloroquina para tratamento precoce da Covid-19. Pesquisas ainda apresentam resultados controversos

Por Rádio Cidade

22/07/2020 às 12:09

Como a Rádio Cidade vem divulgando, a Prefeitura de Caratinga promoveu nessa segunda-feira (20) duas licitações para compra de medicamentos e testes rápidos com previsão de gasto de até R$ 10 milhões. Desse total, R$ 2,6 milhões deverão ser destinados à aquisição de 30 mil testes rápidos. O restante, mais de R$ 7 milhões, poderão ser empregados na compra de fármacos para o tratamento precoce da Covid-19, daqueles pacientes que se isolam em casa, conforme protocolo instituído pela prefeitura recentemente.

Além da compra de ivermectina, sulfato de zinco, nitazoxanida e enoxaparina subcutânea, também está na lista a hidroxicloquina 400mg. Segundo a prefeitura, por se tratar de um processo de licitação, a quantidade de cada medicamento e os valores são “fechados” após a conclusão do processo, quando são feitos os pedidos. Portanto, ainda não é possível saber quanto Caratinga irá gastar, do total previsto de R$ 7,5 milhões, na compra de hidroxicloroquina.

Grupos de médicos no Brasil e no mundo têm feito uso desses medicamentos nas primeiras fases do tratamento da Covid-19 e se baseiam em estudos empíricos para defender sua adoção em protocolos de saúde pública. O assunto é controverso, justamente porque não há evidência científica que comprove a eficácia deste protocolo, oferecido como alternativa ao paciente. Quando ele foi divulgado, a pneumologista e médica da prefeitura, Maria José Ligeiro Marques, disse que havia evidências clínicas dos benefícios:

O que dizem as pesquisas

Na semana em que a prefeitura publicou o protocolo e a Dra. Maria José se pronunciou, havia sido divulgado um estudo americano com resultados positivos acerca do uso da hidroxicloroquina nos pacientes com Covid-19. A pesquisa mostrou que a droga teve a taxa de mortalidade reduzida pela metade. O método do estudo, no entanto, foi alvo de críticas nos Estados Unidos, porque a equipe do Sistema de Saúde Henry Ford que o conduziu, na cidade de Detroit, não tratou os pacientes aleatoriamente, mas os selecionou para vários tratamentos com base em determinados critérios.

Na última quinta-feira (16), novos resultados de duas pesquisas que avaliaram o uso da hidroxicloroquina no contexto da Covid-19 foram divulgados e replicados pela Sociedade Brasileira de Infectologia no dia seguinte. Um dos estudos foi conduzido nos Estados Unidos e no Canadá, trabalhando com grupos de pessoas que receberam a medicação e que não receberam (sendo administrado o chamado placebo). Os resultados já publicados apontam que não houve diferença significativa entre os dois grupos com relação à severidade dos sintomas.

O segundo estudo, também já publicado em revista científica, foi aplicado na Espanha em grupos que receberam a medicação e que se submeteram ao tratamento convencional. Conforme os pesquisadores, não foi percebida nenhuma diferença significativa na redução da carga viral no dia 3 ou dia 7, depois do início do tratamento precoce. Portanto, o tratamento não reduziu o risco de hospitalização e não diminuiu o tempo de resolução dos sintomas.

Mário Borges é ouvinte da Rádio Cidade. Ele mora em Belo Horizonte e vem com frequência a Caratinga, pois é casado com uma caratinguense. Ao saber da licitação da compra de hidroxicloroquina, pela prefeitura, ponderou:

Borges também contesta o dinheiro gasto com a hidroxicloroquina, uma vez que o Governo Federal informou que distribuiria o medicamento aos municípios que quisessem trabalhar com este protocolo:

De acordo com a Prefeitura de Caratinga, o Governo Federal não está distribuindo hidroxicloroquina para os municípios.

Posição da SBI e da AMB

Na última sexta-feira (17), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) recomendou oficialmente, que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19. A sociedade considera urgente que os agentes públicos, incluindo municípios, estados e Ministério da Saúde, não gastem dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais. Por outro lado, espera que o recurso público seja usado em medicamentos que comprovadamente são eficazes e seguros para pacientes com Covid-19 e que estão em falta, tais como anestésicos e bloqueadores neuromusculares, além de aparelhos como oxímetros, testes RT-PCR e investimento em leitos de UTI.

 

Logo em seguida, no dia 19 de julho, a Associação Médica Brasileira (AMB) defendeu, em nota, a autonomia do médico na indicação da hidroxicloroquina e criticou a politização do tema. A nota, entre outras colocações, destaca que o uso de medicamentos fora da indicação original, constante na bula, na tentativa de cura de diversas doenças, é uma prática consagrada na medicina. Sem ela, várias enfermidades estariam sem tratamento.